Localizado pelo UOL numa cidade no interior de Mato Grosso, que aqui não será revelada por motivo de segurança, um dos três motoristas de caminhão contratados para fazer o transporte da soja que seria roubada na fazenda Promissão, em União do Sul (MT), descreveu tiros e fuga desesperada na noite de 18 de abril de 2020 — desde então, seis pessoas estão desaparecidas.

O caminhoneiro é um dos quatro sobreviventes do episódio. Sua identidade será preservada e aqui será citado como Y., uma inicial fictícia.

Y. disse que, na manhã daquele dia, foi abordado por um estranho, que mais tarde soube ser Nicolas Jordane Pereira, 26, o Nick, em um posto de gasolina. Nick queria contratá-lo para um frete de soja, uma atividade frequente de Y. Pagaria R$ 10 mil pelo serviço, e Y. aceitou. Ele afirma que só soube depois que se tratava de uma ação criminosa.

Segundo Nick, mais dois caminhoneiros foram contratados para participar do transporte da soja. Os três caminhões conseguiriam transportar, em valores do cereal praticados na região na semana passada, uma carga total avaliada em R$ 328 mil.

A proposta era que todos dormissem na fazenda Promissão e fizessem o embarque na manhã seguinte, o domingo dia 19, com destino a Cuiabá (MT). 

O comboio seguiu na mesma noite para o carregamento na fazenda Promissão. Guiando Y. na sua frente iam, num carro Fiat Strada, Nick e Weberson Corrêa da Silva, 31, o Seco, outra pessoa que Y. disse que só conheceu naquele dia.

Atrás de Y. vinham os outros dois caminhões. Perto de um entroncamento, contudo, o caminhoneiro se perdeu e parou. Os outros dois caminhões pararam atrás. O Fiat Strada continuou até a fazenda. Lá, Nick e Seco orientaram outro integrante do grupo, Francisco Diego Costa Lima, 32, o Capivara, que estava de moto, a retornar pela estrada e guiar os caminhões.

Poucos minutos depois, disse Y., apareceu um homem numa motocicleta para levá-los até a fazenda. Y. não sabia, mas era Capivara. O motoqueiro foi na frente, com Y. no caminhão, atrás. 

Perto do portão da fazenda, Y. ligou a luz interna da cabine. Capivara estacionou a moto, abriu o portão e sinalizou para o motorista entrar com o caminhão. Nesse momento Y. disse ter percebido, à sua esquerda, uma Ranger branca estacionada dentro do pátio e um homem parado perto de um trator, todo vestido de preto e com um boné. Nick e Seco também estavam de pé, do lado de dentro do pátio, conversando com outro homem —"um senhorzinho", segundo sua descrição. Nesse instante veio o primeiro tiro, que atingiu a coluna no lado esquerdo da cabine, a poucos centímetros da cabeça de Y.

''Eu cheguei com a luz acesa, normal, o cara não me matou porque não quis. Eu encostei o caminhão e já tomei o primeiro tiro. Sem nem saber de nada. Aí começaram a atirar em mim. Eu buzinei o caminhão um monte de vezes [e não pararam]. Quando pararam de atirar, eu arranquei o caminhão e saí. [...] O primeiro tiro com certeza veio de dentro do pátio para fora".

Ele disse que se abaixou na cabine, pisou no acelerador do caminhão, que tem câmbio automático, fez um "balão" no pátio e voltou pelo mesmo portão da entrada. Afirmou ter visto, na confusão, pelo menos dois homens atirando na direção de Nick e Seco com uma pistola e um terceiro disparando uma "arma curta, do tipo revólver ou pistola". Segundo Y., pelo menos Nick respondeu aos disparos, também com uma pistola.

Após sair da fazenda, Y. virou à direita, em direção à cidade de União do Sul. Pelo menos nove tiros atingiram seu caminhão. Metros adiante viu um homem num milharal dando sinal com a mão, "desesperado", e o reconheceu como um dos outros dois caminhoneiros, que àquela altura havia visto os tiros e também fugia, a pé, do tiroteio. Y. parou, deu carona ao colega e acelerou por uma estrada de terra por cerca de 40 km, até atolar num trecho de lama. O terceiro motorista fugiu no próprio caminhão. 

''Os dois abandonaram o veículo e saíram andando no meio de um matagal alagado. "Eu não sabia se os outros queriam matar a gente, o que estava acontecendo. A gente não sabia de nada, estávamos perdidos." 

Caminharam por cerca de três horas até chegar a uma casa de trabalhadores rurais, onde um casal os recebeu e serviu comida. Dali seguiram para umas terras "griladas", onde foram abordados por um grupo de cinco homens armados. Após as explicações, o grupo resolveu socorrer e levar os dois caminhoneiros para Sinop. 

Um dia depois, o caminhão atolado de Y. foi localizado e apreendido pela polícia. Para conseguir retirá-lo do pátio da polícia e voltar ao trabalho, Y. perdeu meses sem poder trabalhar com frete. Y. também ficou preso por 30 dias por ordem da Justiça, na primeira fase da investigação sobre a chacina. Com isso, as prestações do caminhão se acumularam sem pagamento no banco, formando hoje uma dívida superior a R$ 150 mil.

''O mandado de prisão contra mim não tinha nada a ver. Depois ficou esclarecido. Eu até agora não sei o que aconteceu. [O primeiro atirador] teve chance de 100% de me matar, sem eu nem saber o que estava acontecendo. Para mim era um frete normal, como tantos que já fiz. Era um dia de trabalho normal. Agora só quero trabalhar e reconstruir minha vida, pagar minhas dívidas".