A velocidade e a gravidade da evolução da covid-19 em pacientes que buscam os prontos-socorros em Manaus têm chamado a atenção dos profissionais de saúde que atuam na linha de frente.

Está inclusive formando infecções mais graves e em menos tempo do que a doença vista na primeira onda.

Além disso, os dados mostram que pessoas mais jovens estão morrendo agora. Segundo registros de óbitos nos últimos 30 dias, quatro em cada dez vítimas fatais tinham menos de 60 anos no estado. 

"Algo de muito diferente está ocorrendo em Manaus. Não sei informar se é uma cepa nova ou se é algo diferente. Mas quem está na linha de frente está vendo um aumento da gravidade dos casos", conta o infectologista e pesquisador Noaldo Lucena, que atua em clínica popular, atendimento domiciliar e hospitais públicos. 

As mudanças, diz, vão além da já sabida maior contagiosidade da nova variante do vírus. 

Claramente estamos diante de um ser invisível que é muito mais patogênico e transmissível. Hoje chegam famílias inteiras com os sintomas ao mesmo tempo, antes era um de cada vez. 


Exames mostram gravidade maior

Lucena conta que em exames mais recentes de pacientes há lesões nos pulmões mais graves.

"Neste ano, eu já vi mais 150 pessoas aqui na clínica e mais 300 no serviço público. Digo que menos de 2% deles tinham comprometimento leve. Os demais eram comprometidos acima de 50%. Alguns com 70%, 80%, 90%, com necessidade de internação imediata e até suporte ventilatório", diz. 

Segundo ele, agora a doença apresenta menos sintomas capazes de serem percebidos em um exame clínico. "Você ausculta o pulmão do paciente e não escuta nada. Mas, quando vemos a imagem tomográfica, não acredita como há um comprometimento tão grande com tão pouca repercussão clínica notória.".


Mais mortes em jovens 

Uma outra questão relatada é a mortalidade de pessoas mais jovens, que estaria também associada à maior patogenicidade do vírus. 

Portal da Transparência dos cartórios. Foram registrados 710 óbitos no estado (dado que ainda pode aumentar), dos quais 285 de pessoas com menos de 60 anos —ou 40,1% do total. Antes desse período, esse percentual era de 36,5%. 

"Sem dúvida muito mais jovens estão morrendo. Não estamos falando só de grupo de risco: isso está em todas as faixas etárias, atingindo bebês, crianças, adolescentes mesmo sem comorbidade", aponta a infectologista Silvia Leopoldina, que também atua nas redes públicas estadual e municipal de Manaus. 

A médica afirma que houve mudanças no comportamento da doença no estado. "Antes, os primeiros sintomas de gravidade apareciam em torno do décimo dia em diante. Agora têm pacientes que, com sete, oito dias, estão com comprometimento de 75% dos dois pulmões.".

Esse encurtamento no tempo de agravamento dificulta a recuperação, conta ela.


"Silenciosa demais" 

A enfermeira e professora Ana Paula Rocche concorda que "o vírus não é mais o mesmo". Ela relata que a queda de saturação de pacientes ocorre de forma muito mais rápida e silenciosa. 

"O paciente começa no primeiro dia sentindo uma dor de garganta; depois sente uma dor de cabeça; no terceiro dia ele já começa uma febre, mas no quarto começa uma falta de ar começa, e quando você coloca um oxímetro nele, a saturação que era para estar em 98% está 70%, 75%. Isso não é normal! É uma coisa extremamente grave que ataca as vias aéreas e pulmões, e de forma silenciosa demais", pontua. 

Ela trabalha com atendimento a pacientes, inclusive acompanhando remoções particulares de casos graves para outros estados. 

A enfermeira conta que, em vez de dor, muitos pacientes tem relatado uma "agonia" no peito. 

"O pulmão parece que vai ressecando, que vai encolhendo; e aí você entra com tudo que é antibiótico, anticoagulante e o pulmão não expande. Isso não é normal", diz,.

Nós não estamos sabendo lidar com isso. Está estranho demais. As pessoas ficam ruins em outros locais, mas não como a gente está vendo. Isso aqui é outra coisa. 


Colapso e nova variante agravam situação 

O professor Bernardino Albuquerque, da UFAM (Universidade Federal do Amazonas) e pesquisador da Fiocruz Amazônia, avalia que essa percepção vem do colapso do sistema de saúde. 

"A partir do final de dezembro, houve uma saturação no atendimento. Temos visto pacientes esperando horas em uma ambulância. O estado clínico fica agravado por essa peregrinação, além de faltar insumos", diz. 

Se tivéssemos um sistema de saúde preparado para atender esse segundo momento, não haveria tantas mortes. O governo desmontou toda estrutura que tinha antes, estamos começando tudo de novo. 

Um ponto que agravou a situação do estado foi a nova variante do SARS-CoV-2. "Chance [de causar doença mais grave] existe, mas não existem evidências ainda sobre ser mais patogênica", explica o pesquisador Felipe Naveca, da Fiocruz Amazônia.

Segundo artigo publicado ontem, a nova variante pode ser capaz de furar a imunidade adquirida por outra cepa.