Vale Tudo com Tim Maia estreia nesta quarta-feira (28), dia em que o músico carioca completaria 80 anos. Com três episódios que totalizam cerca de 2h30, a série documental está disponível para assinantes do Globoplay, pelo selo Conversa.Doc, e tem direção dividida por Nelson Motta e Renato Terra.

Morto em 1998, aos 55 anos, Tim Maia segue lembrado e exaltado como um dos maiores artistas que a música brasileira já teve. Para quem viveu seu período de glória, a personalidade tão gozadora quanto imprevisível também segue viva na memória.

A série do Globoplay é um prato cheio tanto para estas pessoas quanto para quem busca entender por que a fama do cantor extrapola a voz ímpar baixo-barítono e seu talento para criar soul music de sotaque brasileiro.

Desde sua morte precoce, causada por uma vida de excessos, Tim Maia teve sua trajetória contada por diferentes pessoas. Entre elas, o próprio diretor Nelson Motta, testemunha ocular da história, no livro Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia (editora Objetiva). A biografia inspirou um musical e um filme, Tim Maia (2014), dirigido por Mauro Lima, no qual o músico é interpretado por Babu Santana e Robson Nunes.

A diferença de Vale Tudo com Tim Maia, do Globoplay, é exatamente esta: a série é contada por Tim Maia. Não há qualquer narrador nem depoimentos de outras pessoas que não o próprio músico carioca, através de depoimentos e entrevistas que deu em vida.

O primeiro episódio, inclusive, começa com uma piadinha. “O Ministério da Saúde adverte: esta série contem apenas as versões de Tim Maia para os fatos ocorridos na vida de Tim Maia. Ao persistirem as dúvidas, consulte o Síndico. Ou o livro de Nelson Motta”, diz um locutor.

Com isso, Vale Tudo acaba por dar holofotes para o talento musical de Tim Maia —através de diversas gravações de números musicais, alguns raros— e, principalmente, para o seu bom humor, às vezes autodepreciativo, às vezes surrealista. Paralelamente, destaca-se também um arquivo de imagens inéditas disponibilizado por Carmelo Maia, herdeiro do Síndico.

Para te incentivar a dar o play em Vale Tudo com Tim Maia, a Tangerina selecionou alguns dos melhores causos e tiradas contados pelo cantor na série. Fique tranquilo que deixamos alguns de fora, para não atrapalhar a experiência. E, mesmo os que aqui estão, são muito mais divertidos na tela.


Top 5 frases de Tim Maia

O último episódio começa com uma chamada que diz: “Atenção emissoras da Rede Globo para o top cinco frases de Tim Maia”. São elas:

“O sucesso das minhas músicas se deve a metade ser esquenta-sovaco e metade mela-cueca”

“O Brasil não pode dar certo: aqui puta se apaixona, cafetão tem ciúme, traficante é viciado e pobre é de direita”

“A dieta de Tim Maia: cortei álcool, gordura e açúcar. Em duas semanas, perdi 14 dias”

“O problema do gordo é que quando beija, não penetra. E quando penetra, não beija”

“Não fumo, não bebo e não cheiro, mas às vezes minto um pouquinho”


O maior os cariocas

“Meu nome é Sebastião, sou do Rio de Janeiro, fui batizado na Igreja de São Sebastião do Rio de Janeiro… Mais carioca do que eu, não tem”, assegura o cantor logo no começo da série.

Little Richard Brasileiro

Ao narrar o começo de tudo, Tim Maia lembra que, na adolescência, entregava marmitas da pensão do pai. Entre as residências, estava a do amigo Erasmo Carlos, a quem chegou a ameaçar com um canivete, numa suposta brincadeira. Começou a cantar “com oito, nove anos”, comprou um violão com 12, frequentou escola de música e até ensinou Erasmo a tocar o instrumento. Formou grupos com Erasmo e Roberto Carlos e o grupo de amigos na Tijuca ainda tinha Jorge Ben.

“Foi o início do rock brasileiro, nós é que introduzimos aquilo ali. Roberto Carlos era o Elvis Presley brasileiro, eu era o Little Richard brasileiro”, diz sobre a época, em 1957, que se apresentou ao lado do Rei com o grupo The Sputniks no programa de Carlos Imperial na TV Tupi.

Período nos Estados Unidos

Em uma entrevista, Jô Soares pergunta se o período que Tim Maia passou nos Estados Unidos entre 1959 e 1963 foi fundamental para se desenvolver como compositor e cantor.

“Para tudo”, respondeu ele. “Eu sonho com os Estados Unidos até hoje. Roubei muito lá, também. Aprendi a roubar. Roubava tudo o que tinha na frente que pudesse pagar o rango. Relógio, comida de supermercado, frango, coisa rápida… No frio, com roupão, dá para colocar até uns três frangos.


O carioca foi preso três vezes nos Estados Unidos, uma por posse de drogas. Perguntado se tinha saído chateado de lá, ele respondeu: “Eu não saí chateado, eu saí deportado. Chateado eu fiquei por dez anos, eu saí deportado, na marra”.

Em outra reflexão sobre o período, Tim Maia diz: “Saí do Brasil na pior e voltei numa pior ainda”.

Tim Maia Racional

Entre 1974 e 1975, Tim Maia aderiu à doutrina filosófico-religiosa conhecida como Cultura Racional. O período que rendeu discos lendários de sua obra é citado muito rapidamente. Ao falar sobre crenças numa entrevista, ele filosofou:

“Eu acredito que existam coisas fora daqui, porque o universo é enorme. Só um louco não vai acreditar que não existem outras coisas. Mas, assim, concretas… Por exemplo, eu acredito que exista o pessoal das rosquinhas. São só rosquinhas assim [gesto de rosquinha voando], outros são só quadradinhos. Pode ter uma civilização nos meus pés e eu piso no chão e destruí uma civilização. Já imaginou um peido que mataria civilizações de minúsculos?”

Depois que deixou a filosofia/seita, Tim Maia passou a ser cético. “Esse negócio de UFO, essas religiões, essas seitas, é tudo fundo de grana, comércio. Quando terminar o dinheiro, quando voltar o sistema de trocas, aí vai ficar tudo certo, vai voltar a normalidade, os seres vão se respeitar e tudo mais. Um som para vocês, muito amor, macrobiótica, música e muito exercício físico moderado”, desejou e alertou aos fãs em 1975.

Popular e independente

Um dos maiores músicos do Brasil à época, Tim Maia inovou quando lançou seu próprio selo, o Seroma, por estar desiludido quanto aos pagamentos das grandes gravadoras. “Só quero ver se sem jabaculê o meu disco vai tocar nas emissoras do país”, disse, numa entrevista à Globo.


Marra ou autoestima?

Como bom libriano, Tim Maia era tão marrento quanto consciente. Em um espaço de segundos, numa entrevista, se colocou como um dos grandes do mundo, mas modesto no próprio país.

“Dentro da música internacional, eu me acho um dos melhores ou me acho bem cotável, bem vendável. Eu me acho consciente musicalmente, internacionalmente. Agora, música brasileira eu me acho um bicão por não ter raízes, realmente. Fui para os Estados Unidos quando era garoto, já era influenciado pela música americana”, contemporizou.

Em outro momento, se comparou com Chico Buarque, alfinetando: “Pro Chico Buarque, é muito mais fácil fazer a letra porque ele é intelectual. Pra mim, é muito mais fácil fazer o ritmo, porque o Chico Buarque não tem muito suingue”.

Sumiço no Chacrinha e ‘cornologia’

Vale Tudo com Tim Maia lembra ainda a vez que o músico sumiu no meio de um programa do Chacrinha (1917-1988), em 1980. O apresentador fica confuso, sem entender para onde o convidado estava indo. Então, Tim Maia explica: “O tal do Russo [clássico assistente de palco televisão brasileira] encostou aquele piru na minha bunda, que negócio é esse? Aí larguei”.

Mais uma vez no Jô Soares (1938-2022), Tim Maia foi perguntado sobre quando ele escrevia suas músicas. “Música romântica é quando você sente uma coisa [faz gesto de chifre] que passou, uma lembrança. Agora, balada é caretão. Sou formado em cornologia, dificuldades, sofrências”, afirmou.

‘Tenho um pé legal’, diz Tim Maia

Numa inusitada gravação do programa Gente de Expressão (1991-1998), a atriz Bruna Lombardi pergunta se as mulheres dão em cima de Tim Maia. Eis que o Síndico entra no modo sincerão.

“Bruna, olha só, eu tenho 136 quilos, entendeu?”, informa. “Eu até que não sou feio, tenho um pé legal, minha mão não é feia, tenho um rostinho bacana. O meu problema está entre o piru e o pescoço. Não sou um cara bonitão. Mas o cara quando é famoso, conhecido, sempre rola.”

Mais tarde, ele atacaria a instituição amor. “Amar é uma loucura, brother”, cravou. “Gostoso é comer pipoca, andar de montanha-russa, cavalo, pescar… Tem tantas outras coisas, nadar, surfe, fazer sexo gostoso com a menininha sem compromisso. Eu não sei porque tem esse compromisso do amor, porque o amor pode ser o buraco negro. A gente não pode confundir o amor com o sofrimento.”