Muitas pessoas afirmavam, com base apenas em dados de pesquisas, que o eleitorado brasileiro rejeitaria os extremos neste pleito de 2020. Agora já sabemos o resultado. Aquilo que tentavam dizer se cumpriu, mas é preciso corrigir a afirmação original. O eleitorado rejeitou um dos extremismos: o de direita. Ou alguém ousaria dizer que houve candidatura relevante de extrema esquerda em 2018 ou agora? Assim, meus caros, é bom que fique claro: os brasileiros disseram, na esmagadora maioria dos casos, um "não" à extrema direita e à interferência de Jair Bolsonaro no pleito. Estes, sim, foram derrotados. Não existe rejeição à extrema esquerda porque ela nem disputou nem disputa a eleição.
Bolsonaro apoiava candidatos em seis capitais. Só Marcelo Crivella (Republicanos) e Capitão Wagner (Pros) vão para o segundo turno. Com 21,9% dos votos, o primeiro, atual prefeito do Rio, enfrentará Eduardo Paes (DEM), que obteve 37,01%. Todas as simulações de um embate entre os dois dão ampla vantagem a Paes. A rejeição ao atual prefeito é superior a 60%.
Em Fortaleza, Capitão Wagner ficou em segundo lugar, com 33,32% dos votos. Enfrentará o candidato apoiado por Ciro Gomes, José Sarto (PDT), que obteve 35,72%. É pouco provável que os eleitores da petista Luizianne Lins, a terceira colocada — com 17,76% — miguem para o candidato bolsonarista.
Os outros quatro nomes que contaram com o apoio do presidente tiveram um desempenho pífio das urnas. Em Recife, Delegada Patrícia ficou em quarto lugar, com apenas 14,06%. Em Belo Horizonte, Bruno Engler (PRTB) chegou em segundo, mas com 9,95%. Para se ter uma ideia da distância, Alexandre Kalil (PSD) foi reeleito com 63,36%. O presidente resolveu se meter também em Manaus: Coronel Menezes, do Patriotas, chegou na quinta colocação, com 11,32%.
Nenhum vexame, no entanto, foi tão eloquente como o de São Paulo. Na cidade, Celso Russomanno (Republicanos) resolveu pagar mais um mico eleitoral em disputa para o Executivo, o que já ameaça ser uma tradição. Personagem de um programa popularesco na televisão, de suposta defesa do consumidor, ele costuma sair à frente para perder o fôlego no meio do caminho.
Não foi diferente desta vez, mas de maneira mais eloquente. O presidente decidiu fazer de Russomanno seu nome contra o governador João Doria. Foi uma espécie de soma de rejeições. O candidato, que tinha perto de 30% na largada, conquistou míseros 10,5% dos votos, ficando com a quarta colocação. Lá de Brasília, certamente contrariado, Bolsonaro teve de ver Bruno Covas, o candidato do arqui-inimigo João Doria, em primeiro lugar, com 32,86%, secundado por Guilherme Boulos, do PSOL, com 20,24%.
Trata-se de um revés duplo na maior cidade do país. Quando ficou evidente que havia uma onda em favor de Boulos na capital paulista, as milícias bolsonaristas partiram para cima. O candidato do PSOL virou alvo de um ataque organizado. Mas foi inútil.
O bolsonarismo tem seus inimigos à esquerda, mas é importante destacar que levou uma sova também à direita. O DEM de Rodrigo Maia, presidente da Câmara, fez o prefeito em três capitais já no primeiro turno: reelegeram-se Rafael Greca, em Curitiba, e Gean Loureiro em Florianópolis. Em Salvador, Bruno Reis, vice do atual prefeito, ACM Neto, também se consagrou logo na primeira disputa. E a força do partido pode crescer, uma vez que Paes é considerado favorito no Rio.
Teremos em breve a contabilidade do que se passou no país. Ainda que as eleições municipais não possam ser consideradas uma antecipação do que vai se dar no confronto presidencial, é evidente que estamos diante da rejeição a um estilo, a um modo de fazer política.
Consagraram-se nas urnas, como regra — podendo haver uma ou outra exceções que a confirmam — aqueles nomes que, por exemplo, optaram por um abordagem racional, por exemplo, do combate a coronavírus. O negacionismo ensandecido de Bolsonaro e da sua patota foi amplamente rejeitado. Sim, eleições presidenciais costumam ser mais ideologizadas do que as municipais, mas estão em toda parte os sinais de que os brasileiros estão cansados do berreiro agressivo e incompetente do presidente da República.