Com anos de pregação quase solitária em nome da renda básica de cidadania, o, hoje, vereador Eduardo Suplicy (PT) bem que poderia encher a boca com um grande "eu te disse". O economista francês Thomas Piketty, visto como o demônio por grande parte do mercado por defender esse tipo de ação a fim de reduzir a desigualdade, também. São Paulo já conta com um, digamos, programinha de renda mínima, que paga um teto semelhante ao Bolsa Família (R$ 200) a quase 13 mil famílias - Covas promete expandir a ação. Russomanno, influenciado pelo presidente da República, quer aumentar em 15 ou 20% os valores que serão pagos pelo "Bolsa Bolsonaro". Boulos, por sua vez, promete uma média de desembolso de R$ 350 por família.
Nenhum dos programas, claro, seria universal. Atenderia aos mais vulneráveis. O que faz sentido, uma vez que os R$ 600/R$ 1200 pagos de auxílio emergencial causaram impacto menor em São Paulo - um dos maiores custos de vida do país, que ficou ainda maior na crise - em comparação a municípios com baixo Índice de Desenvolvimento Humano, por exemplo.
Nada como uma pandemia assassina global para forçar uma mudança de comportamento. Mas debater o quão oportunista é isso interessa a cientistas sociais, mas não à população mais pobre que pode ser beneficiada por algo que deveria ter acontecido há muito tempo. E que votará no mês que vem.
De tempos em tempos, as elites política e econômica afirmam que, caso sejam adotadas, políticas para a redução da nossa pornográfica desigualdade levarão o país à hecatombe financeira. Mas considerando que mais de 105 milhões entraram com pedido do auxílio emergencial e mais de 65 milhões receberam, ao menos, uma de suas parcelas, podemos dizer que já vivemos uma hecatombe de vulnerabilidade social. A pandemia apenas mostrou o tamanho da encrenca.
Essa parcela da população que sentiu o gosto dos direitos sociais não vai aceitar retrocessos da mesma forma que as mais de 14 milhões de famílias beneficiárias do Bolsa também não aceitariam. Bolsonaro entendeu isso e corre atrás de manter parte do auxílio sendo pago em forma de Renda Cidadã a partir do ano que vem. Outros políticos que perceberem isso garantirão vantagem competitiva na eleição.
Da mesma forma, se temos políticos que "mudaram" de opinião sobre o Bolsa Família ou sobre programas de renda mínima, não por uma questão ideológica, mas pragmática, talvez não seja impossível mudarem também sobre a taxação de super-ricos.
Teria que vir junto com uma revisão do teto de gastos, uma vez que aumentar a receita não permite, automaticamente, elevar o limite de gastos. Mas é uma boa bandeira para ser defendida no sentido de eternizar o auxílio emergencial.
Esse tema poderia entrar na pauta eleitoral de 2022 com o objetivo de financiar um programa decente de renda básica. Até porque, pelo andar da carruagem, o debate sobre a Reforma Tributária, que poderia cobrar os super-ricos e tirar o peso das costas dos pobres e da classe média baixa, ficou para não se sabe quando. No lugar, o ministro da Economia, Paulo Guedes, nos oferece a volta da CPMF.
Isso não seria feito sem ranger de dentes do mercado, que é barulhento, mimizento e, não raro, chantagista. Mas, no final do dia, sobra a pergunta: quantos votos têm o mercado?
Em tempo: Mudança de perspectiva é uma coisa muito interessante. O próprio Bolsonaro já disse horrores do Bolsa Família. Em entrevista ao documentarista Carlos Julianos Barros, em 2015, afirmou que quem recebia o Bolsa Família não fazia nada da vida. "Não produz nada. Não colabora com o PIB, não faz nada. Fez oito filhos, aqueles oito filhos vão ter que creche, escola, depois cota lá na frente. Para ser o que na sociedade? Para não ser nada", afirmou. Hoje, defende o auxílio emergencial desde pequeno.
Não estava só. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, disse, em janeiro de 2018, que o Bolsa Família "escraviza as pessoas". Afirmou que programa social bom é aquele que "dá condições para que a pessoa volte à sociedade" e, por conta própria, consiga um emprego. "A cidadania é um emprego, a cidadania não é depender do Estado brasileiro." Ironicamente, a Câmara ainda estava sendo criticada por aprovar um perdão bilionário de dívidas das grandes e médias empresas.